sexta-feira, 4 de julho de 2014

A primeira versão de Batman nas telonas

Escrito por Jorge Ventura.


Salve, bat-fã!  É com muita honra e satisfação que passo a escrever aqui, em um dos mais completos sites sobre o universo do Homem-Morcego. A convite da equipe amiga e dinâmica do Batmania Rio, da qual, a partir de agora, também faço parte, espero poder contribuir com esmero e dedicação. Assim como aconteceu em 2006, em minha estreia no site da Batbase – idealizada e organizada por Renato Araújo, outro grande bat-amigo – dou atenção especial às adaptações pioneiras do herói para o cinema e TV.

No caso, comentar a primeira versão cinematográfica de Batman é lembrar as conversas com o meu pai. Ele até hoje se recorda das sessões matinais e vespertinas, aos domingos, que exibiam seriados de personagens famosos, extraídos das HQS, como Flash Gordon, Fantasma, Tarzan, Buck Rogers, Capitão Marvel, Jim das Selvas, Super-Homem e Batman. Segundo ele, o “grande barato” durante a semana era ficar apostando com os amigos da rua e da escola, para adivinhar como o herói escaparia da mirabolante armadilha tramada pelo vilão. Era um tempo em que a garotada tinha, além do futebol, um bom assunto para discutir e um bom motivo para se encontrar nos fins de semana.


Curiosamente eu me lembro de ter assistido ao cinesseriado na TV, em versão dublada, no Capitão Furacão, programa infantil exibido pela TV Globo – Rio (Canal 4), no final da década de 60. Para mim, tudo era muito estranho, pois já passava em outro canal, o famoso seriado televisivo com Adam West e Burt Ward – que eu adorava e acompanhava todos os episódios. Foi difícil, portanto, ver Batman e Robin com roupas esquisitas, sem o famoso Batmóvel e sem as inesquecíveis expressões “bat-isso” ou “bat-aquilo”. Senti muita falta também dos famigerados vilões Pinguim, Coringa, Charada e Mulher-Gato – que nunca apareceram. Mas o que me causou mais estranheza foi o fato de o herói não ser chamado de Batman e sim de O Morcego (tradução de “Batman” no Brasil).


Para os críticos de cinema, a maioria do público que assistia, frequentemente, às matinês não era, como muitos pensavam, pouco exigente. E por isso mesmo, naquela época, todos tinham uma concepção do que era uma produção bem elaborada e outra “bem barata”. Em assim sendo, crítica e público costumavam classificar os seriados produzidos pela Republic Pictures (Dick Tracy, Capitão Marvel) como bons; os da Universal (Flash Gordon, Jim das Selvas), médios; e os da Columbia (Fantasma, Mandrake), como fracos.Os critérios de avaliação variavam desde a caracterização dos personagens, as metáforas insinuadas pelos diretores ou atores, até as trucagens, entre outros efeitos “quase” especiais. Mas o que contava mesmo era a ação (e bota ação nisso!).


Batman e Robin invadiram pela primeira vez as telas do cinema em 1943, durante a Segunda Grande Guerra. O seriado foi produzido pela Columbia Pictures, no formato tradicional de quinze episódios e teve os desconhecidos Lewis Wilson (Batman) e Douglas Croft (Robin) nos papéis principais. Chamado para dirigir O Morcego, Lambert Hillyer – especialista em filmes de bang-bang e cinesseriados de baixo orçamento – conseguiu reunir um elenco à altura da produção. Além dos heróis, estrelaram J.Carrol Naish (como o vilão Dr. Daka), William Austin (Alfred), Shirley Patterson (Linda Page), Charles C.Wilson (Capitão Arnold) e Charles Middleton (Ken Colton). A produção foi de Rudolph C. Flothow. Victor McLeod, Leslie Swabacker e Harry Fraser (roteiristas) e James S. Brown Jr. (diretor de fotografia) completam a ficha técnica.


Neste período de guerra, sempre havia, como era de se esperar, um cientista japonês querendo dominar o mundo. Nesta primeira versão, Batman e Robin enfrentam o terrível Dr. Daka, que transforma seus inimigos em zumbis e depois em almoço para os seus crocodilos de estimação. Lewis tenta levar o personagem a sério, mas o seu limitado talento e o seu porte físico (acima do peso) não o ajudam. O seriado apresenta uma abertura sombria, ao estilo dos filmes de terror. E a trilha sonora de Lee Zahler caracteriza bem o espírito do Cavaleiro das Trevas.


Nesta produção de 43, Batman revela também uma de suas grandes habilidades: a de ser o “mestre dos disfarces”. Nem nos filmes mais recentes, algum produtor ou diretor pensou em explorar esta qualidade do herói, muito comum nos quadrinhos e nas versões animadas. Quem chega a se destacar como Alfred é o ator William Austin, com boas tiradas de humor. Douglas Croft não compromete como Robin. O que chega a ser um pouco engraçado é a sua máscara de Zorro do Oeste (Lone Ranger). Mas nada disso diminui o ritmo de aventura que o seriado imprime, com direito à vitória triunfante da Dupla Dinâmica.


Em diversas entrevistas e mesmo em algumas notas biográficas, o autor Bob Kane confessou não ter ficado muito entusiasmado com o resultado deste trabalho. Kane, que acompanhou as filmagens, sentiu falta de um bom investimento. Mesmo reconhecendo o esforço dos intérpretes e da direção, o criador de Batman reivindicou uma produção em nível de igualdade com a sua obra.Apesar do descontentamento de Kane, o seriado é notável por ser a primeira aparição, em live-action do personagem e por ter fornecido dois elementos principais da mitologia do herói.


A série introduziu a caverna do Morcego e a entrada do relógio de pêndulo. Austin, que tinha um físico esbelto e usava um bigode fino, acabou influenciando na alteração do traço do mordomo Alfred das revistas em quadrinhos, cujo redesenho passou a ser adotado em definitivo. Até aquela ocasião, o personagem nas HQs era mostrado bem obeso, calvo e meio atrapalhado. Seu nome era Alfred Beagle (habitante de outra dimensão, Terra – 2) e, ao contrário de Alfred Pennyworth, não ajudou a criar Bruce Wayne, pois só conheceu Batman depois de adulto, quando Robin já havia surgido.


Segundo os registros do amigo e pesquisador Sílvio Ribas, em seu livro Dicionário do Morcego, o primeiro Batman das telas, Lewis Wilson, faleceu aos 80 anos, em 9 de agosto de 2000. Depois de O Morcego, nada mais fez de relevante em sua carreira artística. E o curioso é que seu sobrinho, Michael G. Wilson, foi o produtor executivo dos filmes de James Bond (o agente 007). Quanto ao “Robin”, Douglas Croft continuou a participar de filmes B – logo após o seriado – até sumir pelas batcavernas do anonimato. O ator, nascido em Seattle, EUA, tinha 17 anos quando participou de Batman e morreu com apenas 37 anos, no dia 24 de outubro de 1963.


Em um dos incêndios da TV Globo, na década de 70, alguns seriados dublados se perderam pelas chamas, como o caso do clássico japonês Nacional Kid e desta produção de Batman de 1943. Por isso, O Morcego não teve vida longa na TV brasileira. Quem tiver, em sua coleção, esta dublagem original pode ter certeza de que possui uma raridade. A GOODTIMES, em 1990, lançou em VHS dois volumes com as aventuras dos heróis dinâmicos, mas sem legendas. Na época, no Brasil, fãs chegaram a legendar cópias piratas.


Porém, hoje, os episódios já podem ser assistidos no formato DVD, álbum duplo, em cópias legendadas no idioma português, lançados pela CLASSICLINE, que rebatizou a versão como “Batman – A Série Completa – 1943”. Apesar das críticas, esta produção merece, ao menos, ser respeitada e lembrada pelos batmaníacos, por ter sido a primeira adaptação do Homem-Morcego para as telas do cinema.

Jorge Ventura é poeta, ator, jornalista e publicitário. Autor do livro “Sock! Pow! Crash! – 40 anos da série Batman da TV!”, foi também um dos redatores do zine Tribuna do Morcego.

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